terça-feira, 10 de abril de 2012

Olhos Azuis

A visita dela era sempre esperada. Desde que eu tinha cinco anos me lembro dela lutando com suas doenças, lutando para se manter e sobreviver. Mas a luta não era maior que a presença, que o acolhimento e o servir. Quando nos olhava com seus olhos azuis dizia tantas coisas, nos fazia sentir tantas coisas, nos alegrava, nos afagava e nos recebia.

Quando criança eu a rodeava com minha ansiedade. Ao nos ajudar a fazer farinha de mandioca, ela era hábil ao prensar a massa. Para ela era, trabalho, para mim, diversão. Na enorme mangueira no fundo do quintal ela levava uma lata de massa de mandioca moída do lado do paiol, pegava um saco branco e com as mãos em forma de concha transportava a massa da lata para o pano, depois dobrava o pano formando um impecável envelope, encaixava-o entre duas tábuas formando um sanduíche engraçado e o inseria na gaveta feita no tronco da mangueira e sobre aquele grande sanduíche ela colocada uma tábua grossa que era a encarregada por fazer escoar o líquido da massa e deixa-la seca para ser torrada. 

Depois deste incrível ritual vovó assentava-se sobre a tábua a fazia um leva balanço para cima e para baixo fazendo assim escorrer aquele caldo branco que ao ir descendo pelas raízes da mangueira ia deixando um rastro de polvilho. Eu olhava seus olhos azuis, eu queria ajudar.

Ela me tomava nos braços, me assentava na tábua um pouco a sua frente e juntas balançávamos, sem muitas palavras, mas cheias de companheirismo. Sentindo o vento que soprava de um lado para o outro e o cheiro das folhas de mangueira.

Durante muitos anos estar com minha avó era assim, estar juntas, às vezes com poucas palavras mais com muitas ações que tinham um grande sentido.

Fui crescendo e minha vida foi ganhando novas ocupações, a rotina do trabalho ocupou os momentos até então tão prazerosos, a rotina da vida adulta deu lugar ao gosto pela presença e assim fomos levando nossos dias até que numa manhã, depois de tomar um rápido banho para correr para mais um dia de trabalho, o telefone da minha casa tocou, minha mãe do outro lado aos prantos, dá uma das piores notícias que já recebi, os olhos azuis dela tinham se fechado para sempre, depois de muitos anos de sofrimento ela havia falecido naquela madrugada no hospital.

Peguei meu carro, busquei minha sobrinha e quase muda fui em direção a Patos de Minas. Muda nas palavras, mas não nos pensamentos e nas lembranças.

A morte chega para todos mais é incrível como não nos acostumamos com ela, principalmente quando ela leva a quem amamos.

Chegando lá, ao vê-la não soube o que fazer, as lágrimas rolaram sobre minha face, mas o que eu queria mesmo era ver seus olhos azuis, pedir biscoito frito e comer mais do que conseguia para agradá-la. Queria poder olhar seus exames e tentar responder suas perguntas, porque ela achava que por ter estudado eu era até médica. Queria voltar no tempo e ficar mais alguns minutos quando ela pedia para não ir embora.
 Queria saber a alguns anos o que sei agora, que o tempo não volta, por isso sejamos gentis, pacientes com as diferenças e capazes de perdoar aos outros e a nós mesmos

Marta Andrade

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